estou lendo 1984 de George Orwell. da primeira vez que li eu achava que o nome 1984 era um 'trocadilho' com 1948, o ano que o livro foi lançado. mas essa edição que estou lendo, uma edição muito bonita da penguin com design da capa por Shepard Fairey, possui notas sobre o texto escritas por Peter Davidson. essas notas são por completo interessantes, são um resgate do que se passou com o texto e com o autor durante a criação do livro. nessas notas Peter explica que a historia se passaria em 1980, mas com o tempo que o livro tomou para ser terminado a data mudou primeiro para 1982 e depois para 1984.
eu não lembro muita coisa da primeira vez que li, me lembro ao longo que leio, guardo só um sentimento geral que o livro me passou quando li. desta vez leio em inglês. No meu livro tem escrito atras "'more relevant to today than most any other book that you can think of' Jo Brand". essa edição é nova mas eu me questiono sobre quando essa opinião foi emitida. eu concordo que em certos aspectos Orwell acertou em cheio sobre o futuro, e que a sua visão se sociedade carrega certas semelhanças com a nossa sociedade hoje [hoje é o ano 2011], mas é inevitável que a obra perca seu significado a cada ano que passe, assim como qualquer obra, e qualquer historia ou documento perde um pouco de mensagem com o tempo e com a distância do autor. o que eu quero dizer?
eu quero dizer que a forma desse livro ser o mais relevante possível é para um londrino dos anos 40. escrito durante e após a segunda guerra mundial, o livro imagina um mundo onde uma versão extrema do socialismo prevalece e dá terrivelmente errado. é um futuro distópico que apela e se relaciona com o medo que qualquer pais europeu carregou no pós guerra, não um medo somente de ser dominado pelo socialismo, de ser obrigado a compartilhar, de ter a liberdade de pensar tolhida, mas o medo de uma nova guerra, o medo de viver constantemente em guerra, como acontece em 1984.
Orwell também carrega o livro com referências reais de londres, Victory Mansions, aonde Winston mora, é inspirado em Langford Court, onde Orwell viveu com sua mulher. na época, 1930, o prédio estava entupido de refugiados de guerra e fedia, era possível ver o Ministério da Informação pela janela.
Embora isso seja algo pessoal do autor ele está colocando ali as sensações que vivenciou da época de guerra, a pobreza, a sujeira, a falta de privacidade. alem disso a parte de futuro distópico do livro carrega uma mistura de estéticas da londrês do começo do século XX agora em ruinas, com a destruição que uma guerra causa e o novo estilo arquitetônico, rigido, confinado, monumental, que reflete os ideais do partido, ingsoc, de poder e dominação.
então, o que eu quero dizer é que 1984 carrega uma série de impressões que atingem em cheio um outro público, que só podem ser sentidas em sua integridade por quem passou por situação semelhante ao autor. eu não estou dizendo que por isso, pessoas como eu [que não viveram guerras, não viveram em londres, e que são mais barbaros e mais burros e menos interessados em tudo que nossos antepassados] não podem gostar do livro ou sentir alguma coisa, e se relacionar com a história. é claro que podemos. e podemos ficar incrivéis [no nosso atual linguajar] com esse livro em diversos aspectos. porque é um ótimo livro, uma ótima história. mas é algo que lemos, ficamos incríveis e depois passa, não nos toca com a mesma profundidade.
o passar do tempo e a distância cultural [e geografica] são como traduções. nós, bilingues, aspiramos a entender as nuancias que as linguas carregam, e sentimos que a tradução empobrece a obra. sentimos em shakespeare, sentimos na tradução simultanea do oscar, sentimos nas legendas dos filmes, sentimos em girias, em referencias, em piadas. este bilingue [talvez] informado e sensível busca o conhecimento na fonte lendo na lingua original, mas para entender qualquer livro ele tem que sofrer a tradução do tempo e do espaço, onde as palavras não mudam, mudam de uma forma muito complexa, a forma como os cerebros funcionam. uma tradução que não há como desfazer.
então, voltando a Jo Brand, um livro imprescindivel, 1984, especialmente para quem goste de mundos distópicos, não só no que afeta o espaço, mas no que afeta a lingua e a forma de pensar. distópico como poucos livros são. imaginar um mundo em ruinas é a parte fácil da criação de um mundo distópico. o incrível é criar um complexo funcionamento das personagens, entre as personagens e dentro das personagens, que chega a ser absurdo de tão rico. desnecessário dizer também que a narrativa de Orwell é cativante o suficiente para levar o leitor através das páginas sem esforço.
porem, não tão relevante para os dias de hoje. não como eu vejo. porque a fonte da revolta de George Orwell é o socialismo, a guerra e tudo que ela traz. eu não sei qual seria o resultado real do socialismo dominando o mundo como forma de governo, mas eu vejo que outros desenvolvimentos do homem, apoiados pelo capitalismo e pela democracia, nos levaram a ser hoje tão parecidos com a sociedade que orwell criou. eu gostaria de me aprofundar nos detalhes do que levou a cultura de hoje a ser o que é, mas eu posso dizer que isso é um pouco ironico com G.O..
eu digo que não acho tão relevante porque o resultado pode ser parecido, mas o meio para chegar nesse resultado foi diferente. pra mim o meio é importante. mas ainda é relevante, apesar de diferente, ler a descrição desse mundo leva a associações com o que fazemos hoje, talvez porque estou predisposto, talvez porque estou insatisfeito com a cultura da qual faço parte da mesma forma que [se nao me engano] Orwell também estava, com sua propria cultura, quando escreveu o livro [e veja só, já nessa época ele estava se sentindo indignado com que os jovens estavam se tornando] [pode ser um elemento natural da velhice, repudiar as gerações seguintes e seus atos].
A grande diferença, finalmente, entre 1984 e a realidade, é que as pessoas do livro são forçadas a emburrecer, embora pouco percebem, por alguem/algo que idolatram, enquanto na nossa realidade, emburrecemos porque queremos, porque escolhemos, mas temos um empurrãozinho também, de varios algos que não podemos nomear coletivamente e chamar de mal [como orwell faz com o socialismo] mas que podemos dizer que é nossa cultura de entretenimento, de felicidade, de capitalismo [enquanto o governo, eu acho, não inflói nem contribói].
eu poderia dizer isso e não dizer mais nada. mas eu tenho que mencionar que as pessoas em 1984 não sabem [mas sabem [doublethink] talvez] que estão sendo controladas, e sabem 'quem' os coage, e trabalham para esse 'quem'. assim é possível deduzir que nós mesmos sabemos, mas não sabemos, que estamos sendo controlados e emburrecendo, por ação de entidades que nos mesmos fazemos parte ou apoiamos. no entanto afirmar com certeza algo assim é presunçoso.
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